Santa Rita Durao

1722-1784

O Afogamento de Moema

É fama então que a multidão formosa

as damas, que Diogo pretendiam,

Vendo avançar-se a nau na via undosa,

E que a esperança de o alcançar perdiam,

Entre as ondas com ânsia furiosa,

Nadando o esposo pelo mar seguiam,

E nem tanta água que flutua vaga

ardor que o peito tem, banhando apaga.

XXXVII


Copiosa multidão da nau francesa

Corre a ver o espetáculo assombrada;

E, ignorando a ocasião de estranha empresa,

Pasma da turba feminil que nada.

Uma, que às mais precede em gentileza,

Não vinha menos bela do que irada:

Era Moema, que de inveja geme,

E já vizinha à nau se apega ao leme.

XXXVIII
'Bárbaro (a bela diz), tigre e não homem...

Porém o tigre, por cruel que brame,

Acha forças amor que enfim o domem;

Só a ti não domou, Por mais que eu te ame.

Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem,

Como não consumis aquele infame?

Mas pagar tanto amor com tédio e asco...

Ah! que corisco és tu... raio... penhasco!
XXXIX

Bem puderes, cruel, ter sido esquivo,

Quando eu a fé rendia ao teu engano;

Nem me ofenderas a escutar-me altivo,

Que é favor, dado a tempo, um desengano;

Porém, deixando o coração cativo

Com fazer-te a meus rogos sempre humano,

Fugiste-me, traidor, e desta sorte

Paga meu fino amor tão crua morte?
XL

Tão dura ingratidão menos sentira,

E esse fado cruel doce me fora,

Se a meu despeito triunfar não vira

Essa indigna, essa infame, essa traidora!

Por serva, por escrava, te seguira,

Se não temera de chamar senhora

A vil Paraguassu, que, sem que o creia,

Sobre ser-me inferior é néscia e feia.

XLI
Enfim, tens coração de ver-me aflita,

Flutuar moribunda entre estas ondas;

Nem o passado amor teu peito incita

A um ai somente com que aos meus respondas!

Bárbaro, se esta fé teu peito irrita,

(Disse, vendo-o fugir), ah! não te escondas

Dispara sobre mim teu cruel raio...

E indo a dizer o mais, cai num desmaio.

XLIII

Perde o lume dos olhos, pasma e trema,

Pálida a cor, o aspecto moribundo,

Com mão já sem vigor, soltando o leme,

Entre as salsas escumas desce ao fundo.

Mas na onda do mar, que irado freme,

Tornando a aparecer desde o profundo:

'Ah! Diogo cruel!' disse com mágoa,

E, sem mais vista ser, sorveu-se n'água.
XLIII

Chora ram da Bahia as ninfas belas

Que, nadando, a Moema acompanhavam;

E, vendo que sem dor navegam delas,

branca praia com furor tornavam.

Nem pode o claro herói sem pena vê-las,

Com tantas provas que de amor lhe davam;

Nem mais lhe lembra o nome de Moema,

Sem que ou amante a chore, ou grato gema.

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