Raimundo Correia

13 May 1859 — 13 September 1911 / São Luís

Ondas...

Ilha de atrozes degredos!

Cinge um muro de rochedos

Seus flancos. Grosso a espumar

Contra a dura penedia,

Bate, arrebenta, assobia,

Retumba, estrondeia o mar.

Em circuito, o Horror impera;

No centro, abrindo a cratera

Flagrante, arroja um volcão

Ígnea blasfêmia às alturas...
E, nas ínvias espessuras,

Brame o tigre, urra o leão.

Aqui chora, aqui, proscrita,

Clama e desespera aflita
A alma de si mesma algoz,

Buscando na imensa plaga,

Entre mil vagas, a vaga,

Que neste exílio a depôs.

Se a vida a prende à matéria,

Fora desta, a alma, sidérea,

Radia em pleno candor;
O corpo, escravo dos vícios,
É que teme os precipícios,

Que este mar cava em redor.

No azul eterno ela busca,

No azul, cujo brilho a ofusca,

Pairar, incendida ao sol,

Despindo a crusta vil, onde

Se esconde, como se esconde
A lesma em seu caracol.
Contempla o infinito ... Um bando

De gerifaltos voando

Passou, desapareceu

No éter azul, na água verde...
E onde esse bando se perde,

seu longo olhar se perde...

Contempla o mar, silenciosa:

Ora mansa, ora raivosa,

Vai e vem a onda minaz,
E entre as pontas do arrecife,

Às vezes leva um esquife,

Às vezes um berço traz.

Contempla, de olhos magoados,

Tudo... Muitos degredados

Findo o seu degredo têm;

Vão-se na onda intumescida

Da Morte, mas na da Vida,

Novos degredados vêm.


Ó alma contemplativa !

Vem já, decumana e altiva,

Entre as ondas talvez,
A que, no supremo esforço

Da morte, em seu frio dorso,
Te leve ao largo, outra vez.
Quanto esplendor! São aquelas

As regiões de luz, que anelas,

Rompe os rígidos grilhões,

Com que à Carne de agrilhoa
O instinto vital! E voa,
e voa àquelas regiões!...
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