Raimundo Correia

13 May 1859 — 13 September 1911 / São Luís

Ode Parnasiana

De cípreo mosto cheia
A taça ergui. Cogitabunda Musa,
Fuge os pesares. Eia!
Desta alma a flama viva afla, e enaltece-a!
Insufla-me o estro; e, à minha vista ilusa,
As prístinas grandezas patenteia
Da celebrada Grécia!
Musa, a Grécia, como antes
Do último heleno, dá que eu sonhe agora!
Pátria do gênio ousado; de gigantes
Berço de oiro e de luz; Grécia imortal!
Ria-nos, Musa, o mundo hodierno, embora;
Em rapto audaz, nas rêmiges possantes,
Transporta o meu ideal!
Mas, não; voa serena!
Longe da turba egoísta, que os meus gozos
Afeleia e envenena,
Leva-me a um doce e plácido recesso;
Como a Banville e a Mendes, gloriosa,
Levaste, além do inquieto e ovante Sena,
Às margens do Permesso!
Voa, serena! A pista
Do casquilho de Samos seguir deves,
De safira, esmeralda, ambre, ametista
E murice orna o olímpico painel.
A harpa acrisola só no amor; e, em leves
Tintas, menos incômodas à vista,
Mergulha o teu pincel!
De gesto ameno, e brando,
Faze que, sem amarujentos travos,
Borbote e, gurgulhando,
Mane a poesia - fonte clara e pura;
Quais na boca de Píndaro, os seus favos
Melisonas abelhas fabricando,
A encheram de doçura.
C'roa a jucunda fronte
De mirto e rosas, que eu assim te quero,
E amo inda mais, Musa de Anacreonte!
Pulsar, em márcio, horrísono arrabil,
Cordas de bronze, é para as mãos de Homero;
A ti, de Erato coube a lisa insonte
E a avena pastoril.
Fuge a cruenta pompa
De Belona, em que as fúrias tresvariem;
Troe e retroe a trompa
Belicosa; num som ríspido e agudo,
As disparadas frechas assoviem...
O atro tambor em roucos rufos rompa...
E Marte embrace o escudo!...
Na linfa cristalina
De Acidália, onde imerge as formas nuas,
Com as irmãs, a cândida Eufrosina,
Tempera a voz... Tu, Musa, que, ao sabor,
De Teos, tão docilmente os tons graduas,
Entoa antes, na cítara argentina,
A mocidade e o amor!
Sobe o Menalo, estranho
Às guerras; onde Pã, os tentadores
Contornos, vê no banho,
Da esquiva ninfa, e a rude frauta inventa;
Cuja ubérrima falda broslam flores;
E onde o zagal Arcádio o alvo rebanho
E os olhos apascenta.
Olha: de cada gruta
À boca, esbelta dríade sorri-se...
Estralam gargalhadas no ar, escuta:
Dentre elas a de um fauno sobressai;
É Sileno, e na eterna bebedice,
Deixa cair no chão a taça enxuta,
E, temulento, cai...
E Baco; ei-lo assentado
Sobre um tonel; ei-lo a empunhar virente
Tirso todo enramado
De cachos de uvas, de parreiras e heras;
E ei-lo a voltar das Índias, novamente,
No mole coche triunfal tirado
Por linces e panteras...
Febo, ao clarão do dia,
Já visível nos torna a roxa face,
E a esplêndida quadriga luzidia
O Zodíaco em fogo a percorrer...
A solidão povoa-se. Desfaz-se
A névoa, que as pupilas me cobria;
Abro-as, começo a ver!
Penetro o suntuoso
Templo de pafos, onde o culto é menos
Arcano e misterioso,
Que esse, que a Ceres tributara Elêusis;
E onde, ao cúpido olhar do amante, Vênus
Desnua o láteo colo delicioso,
-Branco manjar dos deuses.
Na ave, na flor, na planta,
E em tudo, ó Musa, alma pagã respiras!
Lembre-te um corço a alípede Atalanta;
Faça-te a linda anémone lembrar
O filho incestuoso de Ciniras;
E Leda - o falaz cisne, que levanta
A nívea pluma ao ar...
A ti não são defesos
Assuntos tais, eróticos assuntos.
Canta; e, em perlas acesos,
Musa, os dois olhos no Passado fita!
Como Castor e Pólux, sempre juntos,
São dois planetas mais, cravados, presos
Na abóbada infinita...
Moteje embora o mundo!
Ria-nos essa turba ímpia e nojosa,
Sobre a qual cuspo o meu desdém profundo;
Mísera e vil , sim; que ela não goza
Da embriaguez divina, que há no fundo
Da taça, que emborquei.
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