Deus pede estrita conta de meu tempo,
É forçoso do tempo já dar conta;
Mas, como dar sem tempo tanta conta,
Eu que gastei sem conta tanto tempo?
Para ter minha conta feita a tempo
Dado me foi bem tempo e não foi conta.
Não quis sobrando tempo fazer conta,
Quero hoje fazer conta e falta tempo.
Oh! vós que tendes tempo sem ter conta
Não gasteis esse tempo em passatempo:
Cuidai enquanto é tempo em fazer conta.
Mas, oh! se os que contam com seu tempo
Fizessem desse tempo alguma conta,
Não choravam como eu o não ter tempo.
Para do mundo dar completo cabo,
Lá do negro recinto o soberano
Meditava a forjar horrível plano
Coçando a grenha, sacudindo o rabo.
Merecedor enfim de imenso gabo,
Eis o que assim disse muito ufano:
Para a missão cumprir - digesto humano
Quero fazer - que nasça hoje um diabo.
E o 23 de maio nisso raia...
Teotônio nasceu, e a fama soa
Jamais ter visto infame dessa laia.
Pois para Satã ser mesmo em pessoa,
Traja, qual bruxa velha, negra saia,
Como o rei dos bandalhos tem coroa.
Vendo da peste o bárbaro flagelo
Mil vidas a ceifar a cada instante,
D'África deixa o solo distante
E veio no Brasil curar Otelo.
O semblante imposto negro-amarelo
Cresta do orgulho a chama crepitante,
Traz cheia de vidrinhos o turbante,
E buído punhal por escalpelo.
Homeopata é, e o albergue puro
Do puro Martins busca e diz-lhe ardido:
'Doutor, eu quero ter vosso futuro.'
- Bravo! grita o Martins enternecido;
Pelas cinzas de Hahnemann te juro
Que não hás de morrer desconhecido.