I
Já do batel da vida
Sinto tomar-me o leme a mão da morte:
E perto avisto o porto
Imenso nebuloso, e sempre noite,
Chamado - Eternidade!
Como é tão belo o sol! Quantas grinaldas
Não tem de mais a aurora!!
Como requinta o brilho a luz dos astros!
Como são recendentes os aromas
Que se exalam das flores! Que harmonia
Não se desfruta no cantar das aves,
No embater do mar, e das cascatas,
No sussurrar dos límpidos ribeiros,
Na natureza inteira, quando os olhos
Do moribundo, quase extintos, bebem
Seus últimos encantos!
II
Quando eu guardava, ao menos na esperança,
Para o dia seguinte o sol de um dia,
De uma noite o luar para outras noites;
Quando durar contava mais que um prado,
Mais que o mar, que a cascata erguer meu canto,
E murmurá-lo num jardim de amores;
Quando julgava a natureza minha,
Desdenhava os seus dons: ei-la vingada:
Cedo de vermes rojarei ludíbrio,
E vida alardearão fracos arbustos
Sobre meu lar de morto! A noite, o dia,
O inverno, o verão, a primavera,
A aurora, a tarde, as nuvens, e as estrelas,
A rir-se passarão sobre meus ossos!
Não importa: não é perder o mundo
O que me azeda os pálidos instantes
Que conto por gemidos. Meu tormento,
Minha dor, é morrer longe da pátria,
Da mãe, e dos irmãos que tanto adoro.
III
Quando da pátria me ausentei, não tinha
Nada que lhes deixar, que lhes dissesse
O que eram eles dentro de minh'alma.
Mendigo, a quem cedi pequena esmola,
Deu-me quatro sementes de saudades;
Ao meu jardim doméstico levei-as,
Cavei, reguei a terra com meu pranto,
E plantei as saudades. Soluçando
Chamei ali os meus: 'Aqui vos deixo
(Disse apontando à plantação) 'em flores
'Minh'alma toda inteira; aqui vos deixo
'Um tesouro enterrado. Jóias, oiro,
'Riquezas, não, não tem, porém na terra
Estéril não será.' Ondas de pranto
Afogaram-me a voz: houve silêncio;
Palpei de novo o chão; vi que de novo
Cavado estava! A terra se afundara,
E as sementes nadavam sobre lágrimas,
Que minha mãe e minha irmã choravam...
Replantei-as, orei, beijei a terra,
E parti... Trouxe d'alma só metade;
E o coração?... deixei-o num abraço.
IV
Certo estou de que a planta, já crescida,
Terá brotado flor. Se ao menos dado
Me fosse colher uma... ver a terra
Pelo pranto dos meus santificada!
Se uma dessas saudades enfeitar-me
Viesse a minha essa, ou meu sudário,
Ou, pela mão materna transplantada,
Encravar-me as raízes no sepulcro...
É tão pouco, meu Deus!!... Eu não vos peço
Soberbo mausoléu, estátua augusta
De túmulo de rei. Assaz desprezo
Esses gigantes de oiro
Com entranhas de pó. Mortalha escassa
De grosseiro burel, que bordem lágrimas;
Terra só quanto baste p'ra um cadáver,
E as minhas saudades, e entre elas
Uma cruz com os braços bem abertos,
Que peça a todos preces. Terra, terra
Perto dos meus e no terrão da pátria,
É só quanto suplico.
V
A morte é dura,
Porém longe da pátria é dupla a morte.
Desgraçado do mísero, que expira
Longe dos seus, que molha a língua, seca
Pelo fogo da febre, em caldo estranho;
Que vigílias de amor não tem consigo,
Nem palavras amigas que lhe adocem
O tédio dos remédios, nem um seio,
Um seio palpitante de cuidados
Onde descanse a lânguida cabeça!
Feliz, feliz aquele, a quem não cercam
Nesse momento acerbo indiferentes
Olhos sem pranto; que na mão gelada
Sente a macia destra d'amizade
Num aperto de dor prender-lhe a vida!
Feliz o que no arfar da ânsia extrema
De desvelada irmã piedoso lenço,
Úmido de saudades vem limpar-lhe
As frias bagas dos finais suores!
Feliz o que repete a extrema prece,
Ensinada por ela, e beijar pode
O lenho do Senhor nas mãos maternas!
Desgraçado de mim!... Talvez bem cedo
Longe de mãe, de irmãos, longe da pátria
Tenha de me finar... Ramo perdido
Do tronco que o gerou, e arremessado
Por mão de Gênio mau à plaga alheia,
Mirrarei esquecido! Os céus o querem,
Os Céus são imutáveis: aos decretos
Do Senhor curvarei a fronte humilde,
Como cristão que sou. Eternidade,
Recebe-me a teu bordo!... Adeus, ó mundo!
VI
Já sinto da geada dos sepulcros
O pavoroso frio enregelar-me...
A campa vejo aberta, e lá do fundo
Um esqueleto em pé vejo a acenar-me...
Entremos. Deve haver nestes lugares
Mudança grave na mundana sorte;
Quem sempre a morte achou no lar da vida
Deve a vida encontrar no lar da morte.
Vamos. Adeus, ó mãe, irmãos, e amigos!
Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...
Adeus, que vou viagem de finados...
Adeus... adeus... adeus!
Adeus, ó sol que, amigo iluminaste
Meu pobre berço com os raios teus...
Ilumina-me agora a sepultura: -
Adeus, meu sol, adeus!
Florezinhas, que quando era menino
Tanto servistes aos brinquedos meus,
Vegetai, vegetai-me sobre a campa: -
Adeus, flores, adeus!
Vós, cujo canto tanto me encantava,
Da madrugada alígeros orfeus,
Uma nênia cantai-me ao pôr da tarde:
Passarinhos, adeus!
Vamos. Adeus ó mãe, irmãos, e amigos!
Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...
Adeus: que vou viagem de finados!...
Adeus!... adeus!... adeus!