Gregorio de Matos Guerra

23 December 1636 - 26 November 1696 / Bahia

Coplas

Não sei, para que é nascer

neste Brasil empestado

um homem branco, e honrado

sem outra raça.

Terra tão grosseira, e crassa,

que a ninguém se tem respeito,

salvo quem mostra algum jeito

de ser Mulato.

Aqui o cão arranha o gato,

não por ser mais valentão,

mas porque sempre a um cão

outros acodem.

Os Brancos aqui não podem

mais que sofrer, e calar,

e se um negro vão matar,

chovem despesas.

Não lhe valem as defesas

do atrevimento de um cão,

porque acode a Relação

sempre faminta.

Logo a fazenda, e a quinta

vai com tudo o mais à praça,

onde se vende de graça,

ou fiado.

Que aguardas, homem honrado,

vendo tantas sem-razões,

que não vás para as nações

de Berberia,

Porque lá se te faria

com essa barbaridade

mais razão, e mais verdade,

que aqui fazem.

Porque esperas, que te engranzem,

e esgotem os cabedais,

os que tens por naturais,

sendo estrangeiros!

Ao cheiro dos teus dinheiros

vêm como cabedal tão fraco,

que tudo cabe num saco,

que anda às costas.

Os pés são duas lagostas

de andar montes, passar vaus,

as mãos são dois bacalhaus

já bem ardidos.

Sendo dous anos corridos,

na loja estão recostados

mais doces, enfidalgados,

que os mesmos Godos.

A mim me faltam apodos,

com que apodar estes tais

maganos de três canais

até a ponta.

Há outros de pior conta,

que entre esses, e entre aqueles

vêem cheios de PP, e LL

atrás do ombro.

De nada disso me assombro

pois bota aqui o Senhor

outros de marca maior

gualde, e tostada.

Perguntai à gente honrada,

por que causa se desterra;

diz que tem, quem lá na terra

lhe queima o sangue.

Vem viver ao pé de um mangue,

e já vos veda o mangal,

porque tem mais cabedal,

que Porto Rico.

Se algum vem de agudo bico,

lá vão prendê-lo ao sertão,

e ei-lo bugio em grilhão

entre os galfarros.

A terra é para os bizarros,

que vêm na sua terrinha

com mais gorda camisinha,

que um traquete.

Que me dizeis do clerguete,

que mandaram degradado

por dar o óleo sagrado

à sua Puta.

E a velhaca dissoluta

destra de todo o artifício

fez co óleo um malefício

ao mesmo Zote.

Folgo de ver tanto asnote,

que com seus risonhos lábios

andam zombando dos sábios

e entendidos.

E porque são aplaudidos

de outros de sua facção,

se fazem co'a discrição

como com terra.

E dizendo ferra ferra,

quando vão a por o pé,

conhecem, que em boa fé

são uns asninhos.

Porque com quatro ditinhos

de conceitos estudados

não podem ser graduados

nas ciências.

Então suas negligências

os vão conhecendo ali,

porque de si para si

ninguém se engana.

Mas em vindo outra semana,

já caem no pecado velho,

e presumem dar conselho

a um Catão.

Aqui frisava o Frisão,

que foi o Heresiarca,

porque mais da sua alparca

o aprenderam.

As Mulatas me esqueceram,

a quem com veneração

darei o meu beliscão

pelo amoroso.

Geralmente é mui custoso

o conchego das Mulatas,

que se foram mais baratas,

não há mais Flandes.

Aos que presumem de grandes,

porque têm casa, e são forras

têm, e chamam de cachorras

às mais do trato.

Angelinha do Sapato,

valeria um pino de Ouro,

porém tem o cagadouro

muito baixo.

Traz o amigo cabisbaixo

com muitas aleivosias,

sendo, que às Ave-Marias

lhe fecha a porta.

Mas isso porém que importa

se ao fechar se põe já nua,

e sobre o plantar na rua

ainda a veste.

Fica dentro, quem a investe,

e o de fora suspirando

lhe grita de quando em quando

ora isto basta.

Há gente de tão má casta,

e de tão ruim catadura,

que até esta cornadura

bebe, e verte.

Todos Agrela converte,

porque se com tão ruim puta

a alma há de ser dissoluta,

antes mui Santa.

Quem encontra ossada tanta

nos beiços de uma caveira,

vai fugindo de carreira,

e a Deus busca.

Em uma cova se ofusca,

como eu estou ofuscado,

chorando o magro pecado,

que fiz com ela.

É mui semelhante a Agrela

a Mingota dos Negreiros,

que me mamou os dinheiros,

e pôs-me à orça.

A Mangá com ser de alcorça

dá-se a um Pardo vaganau,

que a cunha do mesmo pau

melhor atocha.

À Mariana da Rocha,

por outro nome a Pelica,

nenhum homem já dedica

a sua prata.

Não há no Brasil Mulata

que valha um recado só.

Mas Joana Picaró

O Brasil todo.

Se em gostos não me acomodo

das mais, não haja disputa,

cada um gabe a sua puta,

e haja sossego.

Porque eu calo o meu emprego

e o fiz com toda atenção,

porque tal veneração

se lhe devia.

Fica-te em boa, Bahia,

que eu me vou por esse mundo

cortando pelo mar fundo

numa barquinha.

Porque inda que és pátria minha,

sou segundo Cipião,

que com dobrada razão

a minha idéia

te diz 'non possedebis ossa mea'.
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