Gregorio de Matos Guerra

23 December 1636 - 26 November 1696 / Bahia

Ao Sanctissimo Sacramento Estando para Comungar

Tremendo chego, meu Deus,

Ante vossa divindade,

que a fé é muito animosa,

mas a culpa mui cobarde.

À vossa mesa divina

como poderei chegar-me,

se é triaga da virtude,

e veneno da maldade?

Como comerei de um pão,

que me dais, porque me salve?

um pão, que a todos dá vida,

e a mim temo, que me mate.

Como não hei de ter medo

de um pão, que é tão formidável

vendo, que estais todo em tudo,

e estais todo em qualquer parte?

Quanto a que o sangue vos beba,

isso não, e perdoai-me:

como quem tanto vos ama,

há de beber-vos o sangue?

Beber o sangue do amigo

é sinal de inimizade;

pois como quereis, que o beba,

para confirmarmos pazes?

Senhor, eu não vos entendo;

vossos preceitos são graves,

vossos juízos são fundos,

vossa idéia inescrutável.

Eu confuso neste caso

entre tais perplexidades

de salvar-me, ou de perder-me,

só sei, que importa salvar-me.

Oh se me déreis tal graça,

que tenho culpas a mares,

me virá salvar na tábua

de auxílios tão eficazes!

É pois já à mesa cheguei,

onde é força alimentar-me

deste manjar, de que os Anjos

fazem seus próprios manjares:

Os Anjos, meu Deus, vos louvem,

que os vossos arcanos sabem,

e os Santos todos da glória,

que, o que vos devem, vos paguem.

Louve-vos minha rudeza,

por mais que sois inefável,

porque se os brutos vos louvam,

será a rudeza bastante.

Todos os brutos vos louvam,

troncos, penhas, montes, vales,

e pois vos louva o sensível,

louve-vos o vegetável,
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