Casimiro de Abreu

4 January 1839 – 18 October 1860 / Barra de São João

Palavras a Alguém

Tu folgas travessa e louca
Sem ouvires meu lamento,
Sonhas jardins d'esmeralda
Nesse virgem pensamento,
Mas olha que essa grinalda
Bem pode murchá-la o vento!

Ai que louca! abriste o livro
Da minh'alma, livro santo,
Escrito em noites d'angústia,
Regado com muito pranto,
E... quase rasgaste as folhas
Sem entenderes o canto!

Agora corres nos charcos
Em vez das alvas areias!
Deleita-te a voz fingida
Dessas formosas sereias.
Mas eu te falo e te aviso:
- 'Olha que tu te enlameias!' -

Tu és a pomba inocente,
Eu sou teu anjo-da-guarda,
Devo dizer-te baixinho:
- 'Olha que a morte não tarda!
'Mariposa dos amores
'Deixa a luz, embora arda.

'A chama seduz e brilha
- 'Qual diamante entre as gazas -
'E tu no fogo maldito
'Tão descuidosa te abrasas!
'Mariposa, mariposa,
'Tu vais queimar tuas asas!'

Conchinha das lisas praias
Nasceste em alvas areias,
Não corras tu para os charcos
Arrebatada nas cheias!...
- Os teus vestidos são brancos...
Olha que tu te enlameias!...
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