Antonio de Castro Alves

14 March 1847 – 6 July 1871 / Curralinho

O Sibarita Romano

Escravo, dá-me a c'roa de amaranto
Que mandou-me inda há pouco Afra impudente.
Orna-me a fronte... Enrola-me os cabelos,
Quero o mole perfume do Oriente.
Lança nas chamas dessa etrusca pira
O nardo trescalante de Medina.
Vem... desenrola aos pés do meu triclínio
As felpas de uma colcha bizantina.
Ohl tenho tédio... Embalde, ao pôr da tarde,
Pelas nereidas louras embalado,
Vogo em minha galera ao som das harpas,
Da cortesã nos seios recostado.
Debalde, em meu palácio altivo, imenso,
De mosaicos brilhantes embutido,
Nuas, volvem as filhas do Oriente
No morno banho em termas de porfido.
Só amo o circo... a dor, gritos e flores,
A pantera, o leão de hirsuta coma;
Onde o banho de sangue do universo
Rejuvenesce a púrpura de Roma.
E o povo rei — na vítima do mundo
Palpa as entranhas que inda sangue escorrem,
E ergue-se o grito extremo dos cativos:
— Ave, Cesar! saúdam-te os que morrem!
Escravo, quero um canto... Vibra a lira,
De Orfeu desperta a fibra dolorida,
Canta a volúpia das bacantes nudas,
Fere o hino de amor que inflama a vida.
Doce, como do Himeto o mel dourado,
Puro como o perfume... Escravo insano!
Teu canto é o grito rouco das Eumênides,
Sombrio como um verso de Lucano.
Quero a ode de amor que o vento canta
Do Palatino aos flóreos arvoredos.
Quero os cantos de Nero... Escravo infame,
Quebras as cordas nos convulsos dedos!
Deixa esta lira! como o tempo é longo!
Insano! insano! que tormento sinto!
Traze o louro falerno transparente
Na mais custosa taça de Corinto.
Pesa-me a vida!... está deserto o Forum!
E o tédio!... o tédio!... que infernal idéia!
Dá-me a taça, e do ergástulo das servas
Tua irmã trar-me-ás, — a grega Haidéia!
Quero em seu seio... Escravo desgraçado,
A este nome tremeu-te o braço exangue?
Vê... Manchaste-me a toga com o falerno,
Irás manchar o Coliseu com o sangue!...
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