Antonio de Castro Alves

14 March 1847 – 6 July 1871 / Curralinho

A.De Musset

AI! Não maldigas minha fronte pálida,
E o peito gasto ao referver de amores.
Vegetam louros — na caveira esquálida
E a sepultura se reveste em flores.
Bem sei que um dia o vendaval da sorte
Do mar lançou-me na gelada areia.
Serei... que importa? o D. Juan da morte
Dá-me o teu seio—e tu serás Haidéia!
Pousa esta mão—nos meus cabelos úmidos!...
Ensina à brisa ondulações suaves!
Dá-me um abrigo dos teus seios túmidos!
Fala!... que eu ouço o pipilar das aves!
Já viste às vezes, quando o sol de maio
Inunda o vale, o matagal e a veiga?
Murmura a relva: 'Que suave raio!'
Responde o ramo: 'Como a luz é meiga!'
E, ao doce influxo do clarão do dia,
O junco exausto, que cedera à enchente,
Levanta a fronte da lagoa fria...
Mergulha a fronte na lagoa ardente...
Se a natureza apaixonada acorda
Ao quente afago do celeste amante,
Diz!... Quando em fogo o teu olhar transborda,
Não vês minh'alma reviver ovante?
É que teu riso me penetra n'alma
—Como a harmonia de uma orquestra santa
—É que teu riso tanta dor acalma...
Tanta descrença!... Tanta angústia!... Tanta!
Que eu digo ao ver tua celeste fronte:
'O céu consola toda dor que existe.
Deus fez a neve — para o negro monte!
Deus fez a virgem — para o bardo triste!'
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