Antonio de Castro Alves

14 March 1847 – 6 July 1871 / Curralinho

A minha irmã Adelaide

Quando Sozinho e triste... em horas de amargura,
Tu sentes de meu seio a tempestade escura
As asas encurvar, no fúnebre oceano!...
Quando a esponja de fel embebe-me a lembrança!...
... Levantas-te de leve, é lí­mpida criança!...
E deixas tuas mãos correrem no piano...
â€" Tu'alma â€" terna e meiga inclina-se inquieta
No abismo funeral das mágoas do poeta,
E sonda aquele pego... e rasga aquele arcano!
Após Nesse arquejar da vida, que me pesa,
Ouço... longe, uma voz que no infinito reza! ...
Na terra um soluçar choroso... í‰ teu piano!
Quando no desviver das horas de atonia,
Das noites tropicais na morna calmaria,
Da mocidade o canto arrojo ao vento â€" insano...
E, perto de morrer, o amor anseio ainda!...
Que mulher me soletra essa harmonia infinda?
... í‰ tua mão qu'empresta um'alma ao teu piano...
E enquanto a flor rebenta í face da lagoa
E a lua vagabunda o céu percorre í toa,
Mirando na corrente o seio leviano;
Inda a terra m'inspira um sonho de ternura!...
... O gênio da desgraça, o gênio da loucura,
Tu sabes, qual Davi, curar no teu piano.
Criança! Que não vês como é sublime e santo
Fazer irmãos no amor e cúmplices no pranto
Mozart, o homem do Norte, e Verdi, o Italiano
Despertar ao relento o idí­lio de Bellini!
Fazer dançar Sevilha, ao toque de Rossini...
E o bolero estalar... nas teclas do piano!
Ai! toca! No meu ser acorda ainda um estro
í€ voz de Gottschalck â€" o esplêndido maestro â€"
Aos lampejos de luz â€" do Moço Paulistano â€"
Ai! toca!... Enche de sons o derradeiro dia
Daquele que só tem por sonho â€" uma harmonia!
Por única riqueza... a ti... e ao teu piano!
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