Álvares de Azevedo

the Brazilian Lord Byron] (12 September 1831 - 25 April 1852 / São Paulo

Crepúsculo do mar

No céu brilhante do poente em fogo
Com auréola ardente o sol dormia,
Do mar doirado nas vermelhas ondas
Purpúreo se escondia.

Como da noite o bafo sobre as águas
Que o reflexo da tarde incendiava,
Só a idéia de Deus e do infinito
No oceano boiava!

Como é doce viver nas longas praias
Nestas ondas e sol e ventania!
Como ao triste cismar encanto aéreo
Nas sombras preludia!

O painel luminoso do horizonte
Como as cândidas sombras alumia
Dos fantasmas de amor que nós amamos
Na ventura de um dia!

Como voltam gemendo e nebulosas,
Brancas as roupas, desmaiado o seio,
Inda uma vez a murmurar nos sonhos
As palavras do enleio!...

Aqui nas praias, onde o mar rebenta
E a escuma no morrer os seios rola,
Virei sentar-me no silêncio puro
Que o meu peito consola!

Sonharei... lá enquanto, no crepúsculo,
Como um globo de fogo o sol se abisma
E o céu lampeja no clarão medonho
De negro cataclisma...

Enquanto a ventania se levanta
E no ocidente o arrebol se ateia
No cinábrio do empíreo derramando
A nuvem que roxeia...

Hora solene das idéias santas
Que embala o sonhador nas fantasias,
Quando a taça do amor embebe os lábios
Do anjo das utopias!

Oceano de Deus! Que moribundo,
A cantiga do nauta mais sentida
Tão triste suspirou nas tuas ondas,
Como um adeus à vida?

Que nau cheia de glória e d'esperanças,
Floreando ao vento a rúbida bandeira,
Na luz do incêndio rebentou bramindo
Na vaga sobranceira?

Por que ao sol da manhã e ao ar da noite
Essa triste canção, eterna, escura,
Como um treno de sombra e de agonia,
Nos teus lábios murmura?

É vermelho de sangue o céu da noite,
Que na luz do crepúsculo se banha:
Que planeta do céu do roto seio
Golfeja luz tamanha?

Que mundo em fogo foi bater correndo
Ao peito de outro mundo; — e uma torrente
De medonho clarão rasgou no éter
E jorra sangue ardente?

Onde as nuvens do céu voam dormindo,
Que doirada mansão de aves divinas
Num véu purpúreo se enlutou rolando
Ao vento das ruínas?
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