Quando nas sestas do verão saudoso
A sombra cai nos laranjais do vale,
Onde o vento adormece e se perfuma...
E os raios d'oiro, cintilando vivos,
Como chuva encantada se gotejam
Nas folhas do arvoredo recendente,
Parece que de afã dorme a natura
E as aves silenciosas se mergulham
No grato asilo da cheirosa sombra.
E que silêncio então pelas campinas!...
A flor aberta na manhã mimosa
E que os estos do sol d'estio murcham
Cerra as folhas doridas e procura
Da grama no frescor doentio leito.
É doce então das folhas no silêncio
Penetrar o mistério da floresta,
Ou reclinado à sombra da mangueira
Um momento dormir, sonhar um pouco!
Ninguém que turve os sonhos de mancebo,
Ninguém que o indolente adormecido
Roube das ilusões que o acalentam
E do mole dormir o chame à vida!
E é tão doce dormir! é tão suave
Da modorra no colo embalsamado
Um momento tranqüilo deslizar-se!
Criaturas de Deus se peregrinam
Invisíveis na terra, consolando
As almas que padecem... certamente
Que são anjos de Deus que aos seios tomam
A fronte do poeta que descansa!
Ó floresta! ó relva amolecida,
A cuja sombra, em cujo doce leito
É tão macio descansar nos sonhos!
Arvoredos do vale! derramai-me
Sobre o corpo estendido na indolência
O tépido frescor e o doce aroma!
E quando o vento vos tremer nos ramos
E sacudir-vos as abertas flores
Em chuva perfumada, concedei-me
Que encham meu leito, minha face, a relva...
Onde o mole dormir a amor convida!
E tu, Ilná, vem pois! deixa em teu colo
Descanse teu poeta: é tão divino
Sorver as ilusões dos sonhos ledos,
Sentindo à brisa teus cabelos soltos
Meu rosto encherem de perfume e gozo!
Tudo dorme, não vês? dorme comigo,
Pousa na minha tua face bela
E o pálido cetim da tez morena...
Fecha teus olhos lânguidos... no sono
Quero sentir os túmidos suspiros
No teu seio arquejar, morrer nos lábios...
E no sono teu braço me enlaçando!
Ó minha noiva, minha doce virgem,
No regaço da bela natureza,
Anjo de amor, reclina-te e descansa!
Neste berço de flores tua vida
Límpida e pura correrá na sombra,
Como gota de mel em cálix branco
Da flor das selvas que ninguém respira.
Além, além nas árvores tranqüilas
Uma voz acordou como um suspiro...
São ais sentidos de amorosa rola
Que nos beijos de amor palpita e geme?
Ah! nem tão doce a rola suspirando
Modula seus gemidos namorados,
Não trina assim tão longa e molemente...
Em argentinas pérolas o canto
Se exala como as notas expirantes
De uma alma de mulher que chora e canta...
É a voz do sabiá: ele dormia
Ebrioso de harmonia e se embalava
No silêncio, na brisa e nos eflúvios
Das flores de laranja... Ilná, ouviste?
É o canto saudoso da esperança,
É dos nossos amores a cantiga
Que o aroma que exalam teus cabelos,
Tua lânguida voz... talvez lhe inspiram!
Vem, Ilná, dá-me um beijo: adormeçamos...
A cantilena do sabiá sombrio
Encanta as ilusões, afaga o sono...
Ó! minha pensativa, descuidosa,
Eu sinto a vida bela em teu regaço,
Sinto-a bela nas horas do silêncio
Quando em teu colo me reclino e durmo...
E ainda os sonhos meus vivem contigo!
Ah! vem, ó minha Ilná: sei harmonias
Que a noite ensina ao violão saudoso
E que a lua do mar influi na mente;
E quando eu vibro as cordas tremulosas,
Como alma de donzela que respira,
Coa nas vibrações tanta saudade,
Tanto sonho de amor esvaecido...
Que o terno coração acorda e geme
E os lábios do poeta inda suspiram!
Anjo do meu amor! se os ais da virgem
Têm doçuras, têm lágrimas divinas,
É quando, no silêncio e no mistério,
Sobre o peito do amante se derramam
No sufocado alento os moles cantos...
— Cantos de amor, de sede e d'esperanças
Que nos lábios febris lhe afoga um beijo!
Ouves, Ilná?... meu violão palpita:
Quero lembrar um cântico de amores...
Fora doce ao poeta, teu amante,
Nos ais ardentes das maviosas fibras
Ouvir os teus alentos de mistura
E as moles vibrações da cantilena
Este meu peito remoçar um pouco!
Virgem do meu amor vem dar-me ainda
Um beijo! um beijo longo, transbordando
De mocidade e vida; e nos meus sonhos
Minh'alma acordará — sopro errabundo
Da alma da virgem tremerá meus seios...
E a doce aspiração dos meus amores
No condão da harmonia há de embalar-se!